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As Matas do Córrego da Lixa

Era agosto. Tempo seco! O Brasil, como acontece todo ano nesta época, pegava fogo. Nós estávamos em excursão de coleta no interior da Bahia. Mas a viagem não estava muito animadora. Por conta das queimadas, dos carrapatos que infestavam os capinzais e pelas poucas novidades vegetais que estávamos conseguindo.

Havíamos passado por Pedra Azul, a de Minas Gerais – porque também há uma no Espírito Santo – região muito interessante, na transição entre cerrado e caatinga. A floração das Erythrina velutina (mulungu-da-caatinga) pintava de laranja as paisagens crestadas das margens do Jequitinhonha. Ali vimos algo inédito: um mata-burro pegando fogo! Lembro-me que discutimos algum tempo se devíamos atravessá-lo ou voltar. Atravessamo-lo sem problemas. Foi o único mata-burro em chamas que vi em toda a minha vida!

E seguimos viagem pela Rio – Bahia (BR-116), entre a densa fumaça das pastagens e capoeiras que ardiam. Já na Bahia, depois de Feira de Sant’Ana, desviamos para o ramal de Capim Grosso. E ainda em meio ao fogo. Lembro que, neste trecho, tive meu primeiro contato com Pereskia grandiflora (ora-pro-nobis), único gênero de cactácea com folhas no Brasil, pela qual tenho uma especial predileção. Ela se derramava sobre o muro de uma casa bem humilde, num vilarejo de beira de estrada. Enquanto eu admirava a planta, saiu do casebre uma mulher de meia idade e veio conversar comigo. Fiquei sabendo que as folhas se comiam refogadas, que tinham gosto de quiabo. Por alguma razão que não sei explicar, ainda hoje guardo esta cena em minha memória como se fosse um filme.

E a viagem prosseguiu. Mais adiante, em Jacobina, paramos numa vendinha para um refrigerante. Burle Marx, já meio desesperançado de grandes descobertas entabulou conversa com um rapazote franzino, com jeito de caipira:

- Não tem nenhuma mata por aqui? Nós só vimos pasto e fogo por toda parte!

- Por aqui mesmo não tem não senhor! A mais perto é no Córrego da Lixa.

- E fica muito longe?

- De carro dá uns 40 minutos pela estrada de terra. Eu posso levar vocês até lá.

Roberto se assanhou na hora. E decidiu que devíamos ir até lá dar uma olhada. Os quarenta minutos previstos transformaram-se em hora e meia por uma estrada poeirenta, porém sem maiores percalços. Quando o tal rapaz anunciou que havíamos chegado, olhamos à nossa volta e... nada. Apenas algumas poucas árvores espalhadas. Já com um certo temor, Roberto pergunta:

- Mas... cadê a mata?

- É essa aí mesmo! Disse o rapaz, apontando para aquelas árvores esquálidas.

Pensei que Roberto ia soltar os cachorros, esbravejar, tentar esganar o moço. Mas me enganei. Ele murchou tanto que não ficou um pouquinho só de energia para uma bronca. Entrou no carro e desistiu:

- Vamos embora.

E fomos. O rapaz ficou por lá. De volta a Jacobina paramos na mesma venda. Conversando com o dono, descobrimos que o rapaz morava lá mesmo, no Córrego da Lixa. Quando Roberto lhe perguntou pelas matas, ele aproveitou a oportunidade. Não teve qualquer escrúpulo ao mobilizar treze pessoas, uma Kombi, um caminhão e uma Variant, só para pegar uma carona conosco para sua casa.

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